sábado, 17 de novembro de 2012

Quando o casamento se transforma num “anexo” da família de origem - Pais e Sogros: um problema ou uma solução para os casais?




O que fazer quando o(a) companheiro(a) não corresponde às expectativas dos pais? E quando a família de origem, de uma forma incessante, intromete-se nas decisões do casal? Como lidar com a sogra?

A formação de um casal implica a conjugação de três elementos: o eu, o tu e o nós, em que o eu e o tu correspondem aos valores, atitudes, necessidades, expectativas, comportamentos e características individuais, sendo que o nós refere-se ao projecto a dois, baseado numa negociação e partilha, movido por influências a que o “Eu e Tu” estão expostos pela comunidade e pela família. 

Assim, quando duas pessoas se juntam trazem uma bagagem determinada pela educação e pelos valores que foram transmitidos através da família, que podem ser divergentes para os dois elementos, podendo desencadear alguns obstáculos de entendimento na relação. 

Desta forma, a formação do casal obriga à construção de novas regras e formas de estar na relação. O casal tem que ter a capacidade de se distanciar do modelo que os pais lhes transmitiram e construir e definir o seu próprio, negociando formas de consenso entre os dois elementos, abdicando conjuntamente das convicções que foram construindo na relação com a sua família. 

Claro está, que quando se reúnem dois elementos oriundos de famílias com valores completamente opostos, poderá surgir alguma discórdia, bem como dificuldades de gerir essas diferenças. Se o casal não decidir criar um espaço só seu, onde respeitem o que é valorativo para cada um, sem ser necessário um corte completo com as suas famílias, a ruptura poderá estar iminente.

 É frequente encontrarmos indivíduos que, habituados a pertencerem a uma determinada família, optem pelos seus elementos e pelas suas opiniões em detrimento do companheiro(a) que escolheram, o que terá um impacto negativo no relacionamento e no cônjuge preterido. Este aspecto pode conduzir a um desinvestimento na relação, por sentirem que não têm força para combater e derrubar valores e padrões já tão fortalecidos. E, assim, desistem do entendimento, da concretização da felicidade junto deste(a) companheiro(a), sem no entanto abdicarem de a encontrar.

 As pessoas valorizam tanto os relacionamentos como forma de concretizar os seus ideais que reclamam mais intensamente a satisfação das suas necessidades e, por isso, quando sentem que aquela é uma fonte que secou, que jamais permitirá atingir aquilo que tanto aspiraram, desistem e procuram num outro lugar.

No entanto, não quer isto dizer que sempre que um casal se depare com dificuldades na relação com a família de origem esteja condenado ao fracasso. É necessário que o casal defina limites em relação à família de origem, para que esta seja “obrigada” a respeitar o espaço do casal e sua privacidade, não se intrometendo no processo de tomada de decisão, que compete apenas ao casal. Para este efeito, é necessário ultrapassar alguns receios, nomeadamente o de magoar os pais, bem como alterar formas de relacionamento. 

Por exemplo, se habitualmente um dos elementos do casal procurava sempre os pais para tomar decisões ou se partilhava todos os aspectos da sua vida, é necessário demonstrar que agora a relação necessita de mudar, sem que os pais se sintam ameaçados no seu papel. O novo elemento não tem que ser considerado uma ameaça ao bom entendimento entre pais e filhos, apenas é necessário negociar e reorganizar uma nova forma de estar, sendo fundamental a comunicação entre o casal para ultrapassar estas divergências, bem como entre pais e filhos, para que os pais percebam que a união familiar não implica necessariamente uma intromissão e presença constante no novo seio familiar.  

Para além disso, é necessário demonstrar à família de origem que a escolha do(a) parceiro(a) deve ser respeitada. 

Frequentemente, os pais idealizam o(a) companheiro(a) dos filhos e como nem sempre este(a) corresponde às suas fantasias, acabam por não o(a) aceitar de imediato, procurando “aperfeiçoar” o elemento às expectativas que tinham. 

Neste caso, podem emergir conflitos, sendo necessário que o casal se mantenha unido, enfrentando conjuntamente a situação, partilhando os seus receios e sentimentos. 

Quando o casal não consegue lidar com esta situação pode recorrer à terapia de casal ou familiar para que possam ser definidos os limites, fortalecendo o espaço do casal, facilitando a construção das suas regras de funcionamento e aprendendo a lidar com as reacções da família de origem.

Não se deve também esquecer que com início de uma nova relação sogras e noras, que são pessoas que nunca ou pouco conviveram, são convidadas a criar um laço familiar, independente da empatia, ou não, que possa haver entre ambas, o que nem sempre é tarefa fácil. 

No entanto, também é verdade que muitas famílias recebem o novo elemento facilmente, “adoptando-o”. É habitual ouvir-se dizer a parte dos sogros que ganharam um (a) “filho(a)”, mantendo os relacionamento respeitador e  afectivo com os mesmos. 

Para além disso, com o tempo de convivência, vai-se abrindo espaço para que os laços entre noras e sogras se fortaleçam, ou pelo contrário, se destruam, podendo ser um desafio permanente para o casal. 

Quando a relação entre o casal e a família e origem é bem gerida, pode representar uma fonte de apoio, nomeadamente no cuidar dos netos. 

Com a falta de tempo, que o casal enfrenta habitualmente, devido ao trabalho e a inúmeras tarefas que tem para cumprir, a disponibilidade dos avôs pode ser uma mais-valia. No entanto, pode surgir também neste aspecto alguma conflitualidade, quando entre o casal e os sogros há uma disputa na educação da criança. 

Neste caso, é importante evitar as discórdias, sendo que a decisão final é do casal, sendo necessário existir espaço para comunicarem acerca destes aspectos, para que possam usufruir dos aspectos positivos de uma relação saudável com a família de origem, encontrando nela um suporte e não tanto uma fonte de conflito, mantendo a premissa de que a participação excessiva da família de origem pode afectar o relacionamento conjugal.

    





segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sexualidade e (In)Satisfação Conjugal - Dois lados da mesma realidade?



 O que fazer quando um casal não consegue entrar em sintonia no que diz respeito à sua sexualidade?
E quando a sexualidade em vez de ser um espaço de intimidade se torna arma de arremesso para lidar com outros problemas conjugais? 
O que significa ter uma vida sexual satisfatória? 
Qual a frequência ideal das relações sexuais? 
E quando um dos elementos se anula, aceitando iniciar o acto sexual só porque o companheiro(a) o quer fazer?

Habitualmente os casais são confrontados por um conjunto de questões nesta área, muitas vezes condicionados pelas crenças que foram interiorizando ao longo do seu percurso de vida, mas também por um conjunto de informação que é transmitida erroneamente através de mitos e tabus associados a esta temática, bem como pelos significados que são valorizados pela nossa sociedade.

 Existe uma influência sócio-cultural nesta área, o que condiciona aquilo que o casal espera um do outro. Esta situação pode acabar por afectar o casal, fazendo-o viver a sexualidade com alguma tensão. 

É importante ter em conta que cada casal deve construir as suas próprias regras neste campo, não existe o certo ou o errado desde que os dois elementos estejam satisfeitos e confortáveis na práctica sexual, podendo esta ser divergente da de outros casais.

A Sexualidade assume um papel essencial nas relações conjugais, sendo umas das componentes com grande impacto no bem-estar do casal. 

Considera-se que a satisfação sexual está estritamente relacionada com a satisfação geral na relação, sendo que os factores que condicionam a insatisfação sexual são divergentes para ambos os sexos. 

O sexo feminino, no âmbito da sexualidade, valoriza aspectos como o amor, afeição e carinho, para que a relação sexual seja satisfatória. Enquanto, que para o sexo masculino, a frequência e a variedade de actividades sexuais são habitualmente os factores mais importantes. Estes elementos podem provocar conflitos entre o casal por existirem necessidades diferentes para os dois e divergentes formas de expressão das mesmas. 
Assim é necessário que sejam comunicados e partilhados pelo casal, de modo a que possam fazer negociações, para que ambos se sintam preenchidos e satisfeitos nesta área. 

É importante ter em conta que a sexualidade no casal não é desprovida da componente afectiva, sendo que aspectos que provocam desagrado na relação podem provocar o desencantamento e, consequentemente, o afastamento de um dos elementos, ficando comprometida a intimidade do casal. 

A sexualidade deve ser encarada como um elemento fundamental de partilha e intimidade, onde se conjugam os afectos, as fantasias, as aspirações, compromisso e investimento, sendo a junção destes factores uma importante fonte de manutenção do relacionamento, produzindo um cocktail de harmonia e satisfação conjugal.

Frequentemente o que falha neste campo é o facto de se agir com o(a) companheiro(a) como se ele ou ela pensasse e valorizasse os mesmos aspectos na sexualidade, não tendo em conta aquilo que é importante para ele(a).

Homens e mulheres funcionam de forma diferente, o que não tem que ser necessariamente um obstáculo na relação. 

A forma como os homens sentem e expressam amor pelas suas companheiras está estritamente interligado ao relacionamento sexual. Durante o acto sexual ele está mais disponível para dar e receber amor. Assim, se perante a sua iniciativa de iniciar a relação sexual a mulher recuar, geram-se sentimentos de rejeição, sendo este um dos grandes desafios para relação, isto é, gerir os tempos de cada um e os significados que são atribuídos por ambos no que se refere a essa situação. Quando a parceira vai continuamente recusando as investidas do companheiro, sem qualquer tipo de explicação, pode surgir, devido aos pensamentos e sentimentos não expressos, afastamento da parte do homem e até mesmo perda de desejo em relação à mesma, pois sempre que é recusada a actividade sexual, o homem tem que suprimir o seu desejo. Se esta situação acontecer repetidamente, o desejo vai sendo suprimido automaticamente, gerando um grande desgaste para o mesmo. 

O mesmo acontece com a mulher, quando sente que as suas necessidades de afecto, de atenção não são respeitadas vai-se progressivamente afastando, ficando menos receptiva ao acto sexual. Mas como este aspecto não é partilhado com o companheiro vão-se gerando mágoas e ressentimentos, ficando comprometido o relacionamento, mesmo nas outras áreas. Neste caso, quando não há o compromisso de comunicar com o outro as suas necessidades ou quando não há disponibilidade para entender aquilo que o outro precisa, pode-se estar a criar espaço para que outros os encantem, podendo surgir as relações extraconjugais como fonte de satisfação dos desejos sexuais que são reprimidos ou não satisfeitos na relação actual, mesmo que possa estar preservado o sentimento pelo outro. 

Estas situações podem mesmo gerar rupturas conjugais, pois um dos elementos do casal pode sentir que as suas necessidades não são consideradas importantes pelo outro. Para além disso, a existência de outros problemas conjugais, ao não serem resolvidos afecta a vida sexual do casal. Assim, é necessário existir um investimento das duas partes para melhorar a relação sexual, não descurando as necessidades do outro, bem como tentar perceber e resolver os outros problemas ou dificuldades que estão a ter repercussões no bem-estar do casal.

Podem, assim, surgir várias queixas no casal em relação a esta temática da sexualidade,  associadas à insatisfação que podem estar interligadas com a frequência, com o contexto, tipo de experiências sexuais ou com a emocionalidade, bem como com a existência de disfunção sexual apresentada por um ou ambos os elementos. 

As disfunções sexuais são transtornos associados a aspectos fisiológicos do ciclo da resposta sexual, que incorpora o desejo, excitação e orgasmo. 

As disfunções sexuais podem surgir nestas três componentes, dando origem à falta de desejo, impotência, ejaculação precoce ou retardada e incapacidade de atingir o orgasmo.

 Quando surge um destes problemas é necessário procurar ajuda médica, para perceber se existe uma causa biológica, sendo necessário o tratamento medicamentoso, mas também analisar se a disfunção tem uma causa psicológica ou se é provocada pelo stress, cansaço, estilo de vida, entre outros. 

Nessas situações o casal pode necessitar também de apoio, para repensar a sua relação sexual e para aprender a lidar com as suas próprias necessidades e com as do(a) companheiro(a), tornando-os mais capazes de ultrapassar as exigências que surgem na fase de vida em que se encontram. 

Para além disso, alguns estudos têm demonstrado que as disfunções sexuais podem estar associadas à disfuncionalidade da própria relação, isto é, determinados comportamentos do casal podem reforçar o problema sexual existente. 

A Terapia de Casal pode permitir melhorar a comunicação do casal, ultrapassando grande parte dos bloqueios que estão associados à actividade sexual, facilitando a construção e a definição da sua sexualidade, aumentando a satisfação e, consequentemente, potenciando uma maior aproximação do mesmo. 

Para além disso, com o evoluir da relação, o desejo sexual pode ir diminuindo, contaminado pela rotina do casal, pelo nascimento dos filhos e pelo rol de exigências que vão surgindo na vida de cada um, sendo por isso importante que o casal continue a investir na relação e que reconquiste a atracção. 

A Terapia de Casal pode facilitar este processo de descoberta de si próprio e do outro, permitindo derrubar o muro do silêncio e do ressentimento que se pode ir construindo entre os elementos do casal. 


Por Sónia Ferreira, Psicóloga Clínica e Terapeuta de Casal

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

“Terapia a dois” – Da ficção à realidade



O filme “Terapia a dois” neste momento em exibição, retrata de uma forma aligeirada o desgaste que se vai instalando numa relação de 30 anos, demonstrando como o aparecimento da rotina, o aumento da insatisfação, associado à falta de comunicação, pode deitar por terra um projecto de vida. E quando tudo isto acontece numa relação com menos anos de existência? Quando a angústia e a incerteza se instalam, o que fazer para não tomar decisões precipitadas?

Uma das dificuldades mais frequentes no relacionamento conjugal passa pela insatisfação que se vai instalando, muitas vezes, de uma forma silenciosa, gerando afastamento entre o casal. 
O decorrer da relação pode trazer alguma desilusão, quando as expectativas que se construíram acerca da mesma acabam por ser defraudadas e quando existe uma certa idealização do outro. Nem sempre o outro corresponde integralmente à imagem que se traçou dele inicialmente, existe uma certa tendência para se anular as diferenças e acentuar as qualidades que encantam ou seduzem a pessoa. 

No entanto, todas estas decepções podem ser ultrapassadas, sem ganharem um carácter destrutivo se o casal estiver disponível para investir na relação, de modo a que a satisfação conjugal seja uma meta partilhada pelos dois elementos, pois considera-se que o amor deve ser continuamente alimentado e rejuvenescido.

Nessa perspectiva, é fundamental expressar as suas necessidades e desejos, bem como o que espera do(a) companheiro(a), no âmbito da relação. Muitas vezes, é aqui que reside o problema. A comunicação assume um papel fundamental na resolução de conflitos, permitindo que discórdias possam ser clarificadas. No entanto, habitualmente, o casal opta por não comunicar, para não se expor ou para não comprometer a relação, gerando, por outro lado, dificuldades de entendimento. Nesta medida, vai-se instalando, progressiva e silenciosamente, um mutismo fruto de um rol de “ocorrências” em que tudo se transforma: os pequenos deslizes passam a ser interpretados como defeitos irreparáveis, o dia-a-dia tão desejado, torna-se numa rotina insuportável e enfadonha. A partilha de uma vida em comum passa a ser evitada. O diálogo sobre pensamentos, sentimentos e expectativas acaba por se restringir ao essencial. 

Neste contexto, é necessário ter em conta ainda que quando a comunicação de um casal se centra na crítica, no ataque constante ao outro e no desprezo, pode gerar o desinvestimento e desencanto da parte do outro, o que irá prejudicar a resolução dos problemas.

No relacionamento conjugal também é importante ter em conta a forma como se gere a individualidade de cada um, para além do projecto a dois. Este deve permitir o crescimento e o desenvolvimento de cada elemento, proporcionando bem-estar. Desta forma, o casal não tem que viver exclusivamente um para o outro, não devendo negligenciar os seus projectos individuais.

 Para tal, é necessário que o(a) parceiro(a) aceite este aspecto, não devendo considerar estar perante uma falha ou demonstração de desinteresse ou de falta de afecto da parte do outro, mas sim respeitar o seu espaço e necessidades pessoais. Torna-se fundamental respeitar as idiossincrasias, tendo em conta que homens e mulheres percepcionam as relações de forma diferente, valorizando divergentes aspectos na relação, o que não tem que representar necessariamente um problema. Para além disso, não se pode descurar o facto de o casal ser descendente de famílias com valores e modelos díspares. Cada um leva uma herança do que é, e de como deve ser vivida a relação a dois, sendo por isso necessário existir uma reorganização para que possam construir o seu próprio modelo, incorporando valores dos dois lados.

Vários elementos tem sido considerados pelos casais, de modo a manter a satisfação conjugal, nomeadamente a confiança, o compromisso, apreciação, respeito, amor, a sensibilidade aos sentimentos do outro, a comunicação aberta e honesta, a capacidade de resolução dos problemas, a partilha no processo de tomada decisão, a qualidade da relação sexual, a partilha da educação dos filhos, o demonstrar interesse pela opinião do outro, entre outros. 

Nem sempre o casal consegue atingir a harmonia e o equilíbrio conjugal sozinho, mantendo a satisfação nestas várias vertentes, sendo necessário recorrer à Terapia de Casal. Esta vai proporcionar um espaço de partilha, favorecendo a expressão de emoções, bem como facilitando uma outra forma de estar e de comunicar, diferente daquela que o casal utiliza habitualmente. Procura-se analisar os factores que estão a desgastar e a degradar a relação, fomentando uma maior consciência acerca do funcionamento do casal, que pode estar a bloquear a manutenção da satisfação e do reajustamento às necessidades que vão surgindo ao longo do tempo. É necessário aceitar que o objectivo não é mudar o(a) companheiro(a), mas sim alterarem alguns aspectos da relação, através da negociação do que cada uma das partes pode facultar, para que se possam sentir mais satisfeitos na relação. 

Assim, a Terapia de Casal pode ser indicada para situações em que ocorre o desinvestimento de um dos elementos, quando existiu uma relação extra-conjugal, quando aparece a insatisfação, no caso de dificuldades ao nível da comunicação, da relação sexual, quando o conflito conjugal se centra na relação tensa com a família de origem, quando ocorrem dificuldades na gestão e tomada de decisão dos aspectos educativos dos filhos ou, simplesmente, quando querem melhorar a qualidade do relacionamento. E no fim de tudo, mais do que um final feliz, o que realmente faz a diferença é ser honesto consigo mesmo e com o outro, tomando consciência do processo evolutivo quer individual, quer conjugal.

Por Sónia Ferrreira, Psicóloga Clínica e Terapeuta de Casal.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A Importância das relações amorosas nas nossas vidas...




1 - Qual o significado e a importância dos relacionamentos na nossa vida? Pode dizer-se que são a chave de tudo ou que tudo gira à sua volta?

O Ser humano é um ser, por natureza, social e relacional. Só existimos em relação. Esta necessidade  e caracteristica acompanha-nos desde o nascimento até à morte. Amar e ser amado é algo fundamental ao ser humano e ao seu desenvolvimento. O que acontece é que à medida que crescemos os nossos objectos de relação vão-se modificando. Assim, em crianças os pais representam tudo para nós, na adolescência os amigos assumem o centro das nossas vidas, e à medida que nos desenvolvemos sexualmente, a nossa atenção e o nosso investimento relacional, passa a ser na procura de uma relação amorosa íntima.

E sim, poderemos dizer, que naturalmente, os relacionamentos são algo fundamental na vida de todos nós.

A nossa herança sócio-cultural transformou as possibilidades de ser-se casal ao longo do tempo, sendo que hoje é quase inconcebível sê-lo sem um determinado grau  de vínculo amoroso, atracção sexual e apoio mútuo.


2 - Existem padrões nos nossos relacionamentos? É verdade que tendemos a repetir o tipo de relacionamentos que temos, em que mudam as caras mas o padrão é o mesmo? Porquê?

Sim, todos nós temos padrões de relacionamento, e esses padrões têm a ver com as nossas experiências relacionais que tivemos ao longo da vida, não só amorosas, mas também com a forma como vimos os nossos pais relacionarem-se, com a forma como nos relacionámos com os nossos pais, com os nossos amigos, irmãos, entre outros.

Crescer e viver em relações e ambientes hostis, adversos ou harmoniosos e prazerosos, são escolas relacionais completamente distintas, e fazem de nós seres relacionais muito distintos.
Assim, à medida que crescemos, vão mudando os protagonistas das nossas relações mas o nosso modo de nos relacionarmos, vai sendo sempre de alguma forma condicionado por aquilo que vimos ou vivemos. Porém, não nos podemos esquecer que a nossa relação também depende da forma como outro nos trata, e em função disso podemos dar o melhor ou o menos bom de nós.

3 - Quais os ingredientes ou regras fundamentais para o sucesso de um relacionamento? O que dita o sucesso dos diferentes tipos de relacionamentos que construímos ao longo da vida (profissional, familiar, amoroso, de amizade,…)?

Diria que o Amor, a confiança e o respeito, são os pilares básicos que sustentam uma relação amorosa.
Numa relação íntima saudável, o compromisso baseia-se num mútuo interesse pelo outro, em que se enaltece o verdadeiro “eu” , não se anula de modo nenhum, a individualidade. Ter diferenças de opinião, de perspectivas é óptimo. É isso que enriquece a relação. A comunicação, falar abertamente sobre essas diferenças ajuda a conquistar o respeito do outro
Porém, conseguir alcançar isto, não é de todo simples.  O sucesso relacional exige segurança, auto-confiança e uma grande maturidade emocional individual, quer na vida amorosa, quer na vida profissional. Só podemos amar alguém, se nos amarmos e respeitarmos, em primeiro lugar a nós próprios. Quando isto não acontece, facilmente nos anulamos e perdemos na relação com o outro, e estamos a meio caminho de estabelecer relações pouco saudáveis.

4 - Porque é que os relacionamentos fracassam ou não dão certo? Quais são as principais dificuldades ou erros que existem nos relacionamentos?

O amor e a intimidade desafiam os nossos maiores medos em relação ao que somos e ao que devemos ser, bem como ao que os outros são. Amando e desenvolvendo intimidade corremos riscos.  Em algumas relações, a liberdade para descobrir e deixar-se descobrir pelo outro fica condicionada pela vontade, pelo medo, pelas inseguranças, pela habilidade ou mesmo permissão do parceiro para tal. Como já referido, existem muitas vezes obediência a regras “não escritas” oriundas da família de origem, que pautam o ritmo e a profundidade dos relacionamentos de proximidade.  Regras como devem ser resolvidos os problemas, como se expressam as emoções, que expectativas se devem ter dos outros, acabam por estar presentes sendo que são muitas vezes desajustadas a esta nova relação.
Assim, poderíamos dizer, que as inseguranças individuais, as dificuldades de comunicação, a  procura dum parceiro (a) igual a si , ou que preencha todos os quesitos idealizados, é algo irreal, provocando desilusão,  desencanto,  e sem comunicação o silêncio acaba por corroer a relação.

5 - Como podemos fortalecer as nossas relações e torná-las mais saudáveis e duradouras?

Sendo verdadeiros e plenos na relação. Sem medo de sermos aquilo que somos, nem medo de sermos rejeitados. Falando abertamente sobre o que pensamos e o que nos preocupa. A honestidade, a espontaneidade, a vulnerabilidade, a confiança e a aceitação são ingredientes essenciais para o sucesso da relação. Podem suscitar por vezes mágoas e vulnerabilidades, mas esse é o caminho para a maturidade e para a intimidade conjugal,pois permitem a reciprocidade, a alegria e a ternura.

6 - Todas as pessoas possuem a capacidade de iniciar, construir e manter relacionamentos longos e saudáveis ou só algumas é que o conseguem fazer?

Manter uma relação diria que é mesmo uma arte, e uns têm mais competências relacionais do que outros. De referir porém, que não há relações perfeitas e que mesmo as relações saudáveis têm os seus momentos de crise.

7 - O que devem fazer aqueles que não têm grandes capacidades de relacionamento? A que princípios ou estratégias é que podem recorrer para se tornarem mais hábeis no trato com as outras pessoas?

As competências relacionais é algo que podemos desenvolver, em qualquer fase da nossa vida, com ajuda especializada. A Psicologia, e a Terapia de casal, são uma ferramenta muito útil, no desenvolvimento destas competências.

8 – Qual a melhor forma de lidar com o fim de um relacionamento?

A melhor forma, é enfrentar o fim com realismo e dignidade, e aceitá-lo. Uma relação só é possível quando ambos querem e a desejam. Não se consegue construir nem reparar uma relação quando só um quer permanecer nela.

É importante pensarmos que quando uma relação termina, o que está em causa, não é o valor individual de cada uma das partes, não é uma guerra em que há vencedores e vencidos. É simplesmente um desencontro. È importante não dramatizar, não arrastar   a dor. È importante ter coragem para por um ponto final e não se deixar arrastar no sofrimento. Uma relação só faz sentido quando nos dá mais coisas positivas do que negativas. Quando a balança entra em défice é preciso falar sobre o que esta a acontecer, e avaliar se vale a pena continuar ou não. 

Nestes casos a Terapia de Casal é extremamente útil e eficaz e ajuda o casal a analisar com alguma serenidade o que está a acontecer e a ponderar os vários cenários possíveis.

Entrevista cedida por Maria de Jesus Candeias ao  portal de saúde  MSN Saúde & Bem-Estar, Setembro de 2012.

sábado, 7 de julho de 2012

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque...


Quero partilhar convosco o relato de um colega  publicado no público que subscrevo na íntegra...porque não podemos esquecer que mais importante do que os números e estatísticas são as vidas e as pessoas que esses dados reflectem!




"Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas
perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projeto de vida, escravos
dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a atual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os diretores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão
cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afeta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à atividade da pilhagem do erário público.Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal coletiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma
inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente."



Pedro Afonso, Psiquiatra in Jornal o Público.

terça-feira, 22 de maio de 2012

7 jogos perigosos de “incomunicação” que prejudicam o casal




Durante dez anos - 1996-2006 – um grupo de investigadores argentinos de terapia familiar observou as interações de uma centena de casais que procurou terapia para resolver os seus conflitos relacionais. Este grupo de estudo tinha entre 1 e 30 anos de relação e idades compreendidas entre os 22 e os 60 anos. Na sua maioria tinham uma média de dois filhos. Neste estudo, os casais apresentaram alguns dos seus problemas mais comuns (ciúme, necessidade de mudar o outro, “adivinhar” o que o outro diz ou pensa, comparações da atual relação com a família de origem, excesso de dependência dele / dela e idealização do outro). As consequências destas dificuldades, para os casais, são a auto-destruição da relação, a desvalorização mútua dos parceiros, sensação de fracasso, sentimentos de raiva, ansiedade e tensão. "Todos estes conflitos e mal entendidos relacionais são prejudiciais num relacionamento. Começam com um simples gesto ou uma acção que é mal interpretada pelo outro e, posteriormente, podem chegar a ultrapassar o contexto da relação e envolver outros membros ", diz o psicoterapeuta argentino Marcelo Ceberio. Para este profissional, a base de todos os conflitos é o isolamento dos parceiros e a sua dificuldade em expressar e ouvir os seus pontos de vista.
Além da falta de comunicação, os membros de um casal estão normalmente mais preocupados com aquilo que é dito do que com aquilo que é “realmente ouvido”. Há uma tendência para querer “ganhar”. O problema das palavras é que, muitas vezes, não expressam o que querem realmente expressar. A mágoa e os mal-entendidos levam à necessidade de “defender-se” do outro. Se esta defesa for posta em prática recorrendo à desqualificação, à ironia, à expressão acesa da raiva e do ressentimento, o discurso resultante não é mais que um prolongamento da mágoa. Como se se construisse, em cima da mágoa, uma carapaça de “ouriço”. Quando nela se toca, é-se automaticamente ferido.
Primeiro jogo perigoso: A tentação de querer mudar o outro
"Eu não sabia que tu eras assim", diz uma mulher em terapia de casal. O marido responde: "O que é que queres que te diga? Onde é que estavas quando me conheceste?”
Idealizar o outro faz parte do processo de enamoramento do casal. Mas quando um membro do casal fica preso à necessidade de produzir mudanças no outro, de acordo com seus próprios conceitos, entra num beco sem saída. É uma armadilha, porque impede a consolidação de um casal maduro e real, que aprende a aceitar-se tal como é. Quando isto acontece, ambos os parceiros ficam presos a uma dinâmica de insatisfação com a realidade. A construção de uma relação de casal madura implica aceitar e incorporar as partes do outro que se amam, e negociar as partes do outro que podem ser alvo de uma mudança saudável, numa base de comum acordo.


Segundo jogo perigoso: Perseverar na “conquista”
Um relacionamento amoroso, diz Marcelo Ceberio, torna-se uma relação só quando ambos os parceiros estabelecem claramente os aspectos que o motivam no outro, assim como os aspectos que não incentivam o seu amor. Quando um casal não consegue realizar este exercício, está preso ao jogo que ele chama de "perseverar na conquista." No período de enamoramento, em que ambos os parceiros se seduzem, muitas vezes só mostram ao outro aquilo que o outro quer ver, resultando num amor cheio de idealizações. Após este período, todas as falhas do outro começam a tornar-se visíveis. Surge então o desejo de mudar o outro. "Há uma relação direta entre a idealização que se desenvolveu no primeiro período e a frustração sentida quando o casal se torna mais “real”. Muitas vezes os cônjuges escondem esta decepção. Mas se existe decepção, é porque foi de alguma forma construída uma ilusão do outro, que deve ser expressa e trabalhada. Ignorá-la, é entrar neste jogo.
Terceiro jogo perigoso: "Nós não somos dois, mas seis"
Este jogo comunicacional tem a ver com a relação do casal com as suas famílias de origem. "Nós não somos dois, mas seis," refere-se à relação que existe entre os dois parceiros e as suas representações do pai e da mãe de cada um. Marcelo Ceberio chama-lhes os "quatro fantasmas em intercâmbio no aqui e agora." As representações que cada parceiro tem das suas figuras parentais podem influenciar o vínculo relacional. Esta influência pode traduzir-se numa busca do seu pai ou mãe no/a parceiro/a ou, em algumas situações, numa busca do exacto oposto. As crenças, valores e modelos do que significa ser homem e mulher são internalizados a partir da experiência da família de origem. No entanto, os casais podem e devem transformar essas crenças adquiridas através da complementaridade, que é, em última análise, a razão de ser de um casal.
Quarto jogo perigoso: "Zoom in e zoom out"
Essa interação ocorre naqueles casais em que homens e mulheres operam sob uma confiança excessiva. Isto acontece quando um dos membros do casal se torna um “frasco de soro” e o outro depende inteiramente dele/a para viver. Quem inicialmente oferece o seu apoio incondicional, vai acabar por se “esgotar” desse papel, ou por necessitar de espaço pessoal e, quando isso acontece, o mais indefeso sentir-se-á rejeitado e pode começar a “reclamar”, gerando uma distância ainda maior no seu parceiro/a. A dependência é, de um modo geral, uma interação disfuncional, que não desenvolve o relacionamento porque um parceiro se torna essencial para o outro: ele/a depende do outro para decidir, tomar iniciativas, atender ao seu estado de espírito, etc. Isto gera no parceiro, com o tempo, um desejo de “escapar” da asfixia a que está submetido/a.

Quinto jogo: A dialética "do senhor e do escravo"
"Lembras-te quando eu te disse…", “Eu bem te avisei”, "Sou sempre eu tenho que dizer tudo!", "Como sempre…". Rapidamente, estas críticas se tornam-se desqualificações, aumentam o volume e o tom de voz e podem mesmo chegar ao abuso e/ou violência verbais. O problema aqui é a confusão entre “competir” e “partilhar”. A relação está centrada em disputas intermináveis que, ao descuidar progressivamente a inteligência emocional, terminam em escaladas de agressão intermináveis.
Sexto jogo perigoso: O jogo dos pré-conceitos
Os pressupostos são comuns na comunicação, mas nas relações humanas, se não perguntamos diretamente ao outro o que ele quer dizer, corremos o risco de assumir e gerar mal-entendidos, comunicações distorcidas e conflitos. Um gesto, uma frase, uma ação podem ser o motor de arranque para uma má interpretação. Mas o problema não é a interpretação em si, é a resposta que damos a essa interpretação. A grande chamada de atenção dos psicólogos é para as “profecias auto-realizáveis". Por exemplo, alguém franze a testa porque tem dor de cabeça, mas o seu interlocutor assume que está chateado/a e começa a fazer coisas para o/a divertir. Aquilo que vai verificar é que as suas tentativas para “divertir” o outro vão fracassar- e portanto o outro vai parecer ainda mais chateado.
Esclarecer os mal-entendidos gerados pela comunicação é uma boa prática porque, além de evitar que se cometam erros futuros, proporcionam um melhor conhecimento do outro.

Sétimo jogo perigoso: As triangulações de ciúme
“Uma esposa ciumenta e insegura fantasia que o seu marido olha demasiado para a sua nova secretária. Para gerir esta desconfiança, passa a ligar para o escritório três vezes por dia, com o único objetivo de manter a situação “sob controlo”. Se o seu marido se atrasa a chegar a casa, a esposa não consegue evitar alegações e acusações de infidelidade do marido com a sua nova secretária. A situação repete-se por muito tempo, e ele sente-se tão oprimido na sua relação de casal que começa a procurar momentos de “paz”. Cada vez chega mais tarde a casa. Faz horas extra no trabalho. Vai tomar uma cerveja com os amigos. Obviamente, todo este tempo longe de casa é a confirmação das fantasias da sua esposa, que agora tem como certo que o marido a está a trair. Ela tornou-se amarga e hostil e ele sente-se um tolo. "
Este jogo é talvez o mais perigoso numa relação: as triangulações de ciúme. Entre os casais estudados foi o principal motivo de consulta. O objecto do ciúme pode ser um assunto real ou fantasiado, e não tem necessariamente que ser causado por uma terceira pessoa, pode ser um hobby, um grupo de amigos, a televisão ou qualquer outra actividade do interesse do parceiro que lhe “roube” tempo e espaço. O problema do ciúme é a desconfiança, a desvalorização e as recriminações mútuas, que em conjunto podem vir a construir um ciclo vicioso e insolúvel de mal-estar .
“Numa bela manhã, o mesmo senhor que foi acusado de infidelidade vem trabalhar e uma colega de trabalho do escritório vai dizer: “ Olá, que elegante vens hoje”. Ele vai voltar a sentir-se bem. Alguém reparou nele sem desqualificá-lo! Este fato pode ser o início de uma infidelidade real, originada por uma fantasia. "

Artigo baseado baseado num estudo de Marcelo Ceberio, Terapeuta familiar e Diretor da Escola Sistémica Argentina.)


Por Dra. Dora Rebelo, Psicóloga clínica e Terapeuta de Casal.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Amor, Co-dependência e Intimidade




A relação saudável torna possível a duas pessoas que se vão conhecendo, de modo cada vez mais íntimo e profundo, “gostar daquilo que descobrem”. Por “descoberta” entenda-se um movimento livre e positivo no sentido do encontro.
No início de um relacionamento romântico/amoroso, ambos os parceiros têm um “livro” por abrir: um livro de histórias, narrativas, experiências, características positivas, talentos, curiosidades e também defeitos.

A vantagem de uma relação que vai crescendo em intimidade é que permite que todo o potencial desse “livro” seja revelado ao outro. Com naturalidade, sem obrigatoriedade de seguir capítulos por ordem, e, sobretudo, com liberdade para participar num diálogo aberto com o “autor”.

O amor e a intimidade desafiam os nossos maiores medos em relação ao que somos e ao que devemos ser, bem como ao que os outros são. Amando e desenvolvendo intimidade, corremos riscos. A honestidade, a espontaneidade, a vulnerabilidade, a confiança e a aceitação que são exigidos, podem proporcionar a reciprocidade, a alegria e a ternura, mas também a rejeição e a mágoa.

Em algumas relações, a liberdade para descobrir e deixar-se descobrir pelo outro, fica condicionada pela vontade, habilidade ou mesmo permissão do parceiro para tal. Um dos resultados mais dolorosos do “travão” à descoberta, é a chamada “co-dependência”.

Inicialmente associada aos cônjuges e familiares de pessoas dependentes de álcool/drogas, a definição foi-se alargando e abrange agora todas as relações em que…

“ …alguém deixou o comportamento de outro alguém afectá-lo ao ponto de necessitar observar continuamente e/ou controlar o comportamento dos outros. “

Um denominador comum nas relações co-dependentes é que normalmente há alguém que tenta “ajudar” outro alguém mais “frágil”, mais “carente”, mais “perturbado”, ou com alguma característica que o torna, aparentemente, mais vulnerável e dependente.

Outro denominador comum é a obediência a regras “não escritas”, oriundas da família de origem, que pautam o ritmo e a profundidade dos relacionamentos de proximidade. Regras sobre como devem ser discutidos os problemas, como se expressam as emoções, como se comunica (o que se deve e o que não se deve dizer), que expectativas se devem ter dos outros, etc.

Que “sintomas” se podem encontrar num “co-dependente”?

- Pensar e sentir-se responsável pelos outros - pelos seus comportamentos, sentimentos, opções, necessidades e até pelo seu destino.
- Sentir-se ansioso e culpado quando os outros têm um problema.
- Sentir a “obrigação” de ajudar os outros.
- Sentir-se chateado e frustrado quando a sua ajuda não é eficaz.
- Perguntar-se “porque é que as outras pessoas não fazem o mesmo por mim?”
- Dar por si a dizer que sim quando queria dizer não, a fazer mais do que a sua parte justa numa dada atividade, a fazer coisas que não queria, etc.
- Baixa auto-estima, baixa autoconfiança.
- Tentar “encobrir”, minimizar ou ocultar os próprios problemas.

A saída da co-dependência começa justamente pela admissão destes sintomas. Perceber que não está a obter a satisfação emocional desejada, que necessita quebrar os obstáculos que o separam da verdadeira intimidade. Certamente ajudará saber que não é possível dar este passo sem sentir medo. A grande aventura é fazê-lo na mesma.

Algumas crenças clássicas das pessoas co-dependentes:

"Ficar vulnerável, emocionalmente, perante o meu parceiro/a vai ter consequências negativas. Vou ser rejeitado/a e magoado/a."
"Se me envolver demasiado numa relação irei perder a minha individualidade."
"Se realmente me conhecessem tal como sou, não iriam gostar de mim."
"Se descobrirem que não sou perfeito/a; irão abandonar-me."
 "Se eu não concordar sempre com o outro vamos terminar a relação"
"Se eu não controlar o comportamento do meu parceiro, vou-me perder, vou ficar confusa, sem saber como agir."

Numa relação íntima saudável, o compromisso baseia-se num mútuo interesse pelo outro, em que se enaltece o verdadeiro “Eu”, não se anula de modo nenhum, a individualidade. Ter diferenças de opinião, de perspetivas, etc, é ótimo. É isso que enriquece a relação. Falar abertamente sobre essas diferenças ajuda a conquistar o respeito do outro.

Nas relações saudáveis ficar vulnerável tem algumas vezes resultados negativos, é certo, mas é esse o caminho para a maturidade e para a intimidade conjugal. Na relação de casal madura, cada um é responsável por controlar as suas próprias atitudes e comportamentos. A honestidade, a auto-estima e a autoconfiança geram reciprocidade. 

Por Dra Dora Rebelo, Psicóloga Clínica e Terapeuta de Casal.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Viver a sexualidade a dois



Uma vida sexual satisfatória pode ter significados distintos, para distintos parceiros. Para algumas pessoas, a satisfação sexual é sinónimo da frequência com que se tem relações sexuais com o/a companheiro/a. Para outros tem a ver com a forma como as relações sexuais acontecem (a qualidade ou variedade das actividades associadas ao sexo, a conexão emocional sentida, a intensidade do prazer, etc).

Na verdade não existe uma definição única daquilo que é uma “vida sexual normal”. Mas há elementos comuns quando se fala de uma sexualidade saudável:
  • Demonstrar uma atitude positiva em relação ao sexo com o/a companheiro/a
  • Sentir-se confortável com o corpo na presença do/a companheiro/a
  • Sentir-se seguro/a e ser capaz de confiar no/a companheiro/a
  • Tomar a responsabilidade pelo próprio prazer e pedir, de forma assertiva, o que necessita para aumentar a sua satisfação
  • Ser capaz de desenvolver competências sexuais que facilitem uma relação mais satisfatória
  • Ser capaz de recusar uma relação sexual ou um toque sexual que não aprecie/não lhe apeteça no momento
  • Sentir que o/a companheiro/a entende e respeita a sua sexualidade e as suas necessidades sexuais
É natural que o casal experimente altos e baixos na sua vida sexual. O excessivo stress trazido pelo trabalho, pela maternidade/paternidade, por uma doença ou evento traumático podem condicionar o desejo e a vivência da sexualidade. Por isso, é extremamente importante manter uma flexibilidade permanente e adaptar-se às situações especiais que vão surgindo.

No entanto, se verificar que as coisas não voltam a estabilizar-se, naturalmente, isso poderá significar que o casal está perante uma dificuldade sexual específica.

Os problemas associados à vida sexual do casal podem extrapolar para outras áreas da relação. Podem mesmo levar à separação, se um ou ambos os parceiros sentirem que as suas necessidades sexuais não são levadas a sério.
Por outro lado, por vezes são os problemas associados a outras áreas da relação que acabam por dificultar a vida sexual do casal. Por exemplo:
  • Ressentimento, conflitos mal resolvidos ou sentimentos de frustração
  • Dificuldades de comunicação e conexão com o/a companheiro/a
  • Dificuldades de intimidade/sentir-se próximo/a
  • Diminuição da atracção física
  • Falta de confiança, medo de ser magoado/a
  • Insatisfação geral com a relação
Problemas sexuais mais comuns:
  • Falta de desejo
  • Impotência
  • Ejaculação Precoce
  • Incapacidade de atingir o orgasmo
  • Frigidez/ dores durante a relação sexual
É importante ter em conta que algumas destas disfunções sexuais se podem dever a um problema de saúde concreto, à toma de determinada medicação (como um anti-depressivo), a alterações hormonais, a problemas de próstata ou do foro ginecológico, a um problema de saúde mental, etc.

Outros factores podem ser a falta de energia, o excesso de trabalho, o stress ou o abuso de substâncias tóxicas como o álcool/drogas. A diferença de rotinas e de biorritmo entre os membros do casal (devido a diferentes horários laborais e picos de energia particulares a cada indivíduo) poderá também obstaculizar a vida sexual.

Algumas dificuldades sexuais que se manifestam anos após o início da relação podem advir de situações que sempre foram um problema para um dos membros do casal (ou para os dois), mas que não foram abordadas/discutidas na altura.  É natural que no início da relação seja mais difícil falar sobre as necessidades sexuais. Daí a importância de desenvolver continuamente uma assertividade sexual responsável.
 Um parceiro insatisfeito com os preliminares, com as actividades sexuais desenvolvidas ou com a intensidade emocional sentida ao fazer amor, deve esforçar-se por falar abertamente sobre os seus sentimentos. 

É de particular relevância lembrar que os dois parceiros podem ter opiniões diferentes e níveis de desejo diferentes em relação à quantidade e qualidade das relações sexuais. É por isso, uma área que se deve manter aberta a renegociações permanentes.

Por fim, convém lembrar os factores pessoais associados ao sexo. Um dos parceiros poderá ter uma determinada atitude/emoção ante o sexo, causada pela sua história pessoal. Pode sentir demasiada ansiedade, sentir-se culpado/a ou ter outros sentimentos negativos, como a vergonha. Pode ainda ter tido experiências difíceis na sua vida sexual anterior, o que condicionará, certamente, a plenitude da sua satisfação sexual actual. 

Independentemente da razão, o importante é que ambos os parceiros comuniquem abertamente sobre a forma como se sentem e como desejam viver a sua sexualidade comum. O grande objectivo é que se sintam cada vez ais relaxados, confortáveis, confiantes e satisfeitos.
Muitas vezes, os casais não procuram ajuda profissional para lidar com os seus problemas sexuais, porque:
  • Esperam que o problema desapareça
  • Sentem vergonha/embaraço
  • Têm baixas expectativas sobre o quão satisfatória poderá ser a sua vida sexual
  • Sentem que o problema não vai desaparecer porque já é “crónico”
  • Não acreditam que a terapia de casal possa ajudar a resolver problemas sexuais
A terapia de casal pode ajudar a resolver problemas sexuais através de:
  • Melhoria da comunicação sobre a relação,
  • Clarificação de mal-entendidos/resolução de conflitos pendentes
  • Aconselhamento específico sobre exercícios de desenvolvimento de competências sexuais
  • Psicoterapia, tratando sintomas e crenças advindos de situações negativas passadas

Cuide de si e da sua Relação!

Por Dra. Dora Rebelo, Psicologa Clínica, Terapeuta de casal e Terapeuta Familiar.