sábado, 20 de setembro de 2014

Amor, Ciumes, Loucura e Morte!


De um modo geral considera-se que os ciúmes se encontram em estreita correlação com o amor de um sujeito a um objecto (o objecto amado em termos gerais; em concreto, a pessoa amada que, neste contexto, é objecto de ciúmes).

Dizendo-o metaforicamente , é frequente - ou melhor, tem sido frequente - quantificar o amor pela pessoa amada mediante a intensidade dos seus ciúmes, chegando-se ao ponto de muitas vezes se duvidar do amor de alguém que diz estar enamorado e não sente ciúmes em relação ao objecto do seu amor (Amor sem ciume, não é amor, Léautaud); ou de outra forma, "provocando-se ciúmes" ao enamorado para incrementar o seu desejo do objecto amado e que se consideram equiparáveis à intensidade do amor.


Esta "teoria" dos ciúmes é partilhada por quantos se sentem ou julgam sentir amados pelo sujeito ciumento: é-lhes gratificante, nesses momentos, transformarem-se em dominadores da situação e manipulam o ciumento com o seu galanteio.

Alem disso, é vulgar que usem de algum tipo de chantagem e sem o expressar se façam “comprar” por ele colocando o seu preço cada vez mais alto. Não há duvidas que algumas pessoas adoptam uma estratégia comportamental bastante eficaz para que surjam ciúmes no amante.


Por outro lado, muitas vezes e, na sua maioria, o objecto de desejo converte-se num autentica vitima do ciumento (numa relação que dura anos e que já não é inspirada pelo desejo do objecto e que se tem constantemente ao lado) não sendo esses ciúmes inspirados pelo amor, mas sim por outra questão.



O que inspira os ciúmes não é o amor mas sim o sentimento de não ser amado ( o Ódio de não ser amado), pois as vitimas dizem ter motivos suficientes para sentirem que o ciumento não os ama, e que fora dos momentos de angustia suscitados pelos ciúmes sentem e demonstram uma verdadeira indiferença afectiva pelo outro.


É esta a dinâmica dos ciúmes numa relação triádica uma vez que só se pode falar de ciúmes quando aparece um terceiro elemento, o rival que compete com o ciumento pela propriedade do objecto amado.

Não raras vezes o ciumento alucina essa relação, que faz parte da sua imaginação, conduzindo-se à loucura a si e ao outro, num delírio psicótico destrutivo.

A loucura é uma forma de existência. Como é o da prudência. Mas alem disso, é um projecto de existência para o louco e, por isso, a sua razão de viver, o que dá sentido à sua vida.

Assim, só sabe existir desta forma, tentando encontrar em todos os gestos do outro motivo que justifique o seu ciúme e, quando o louco encontra motivos para a sua loucura tudo fica menos angustiante e a vida passa a ser mais suportável.

Não é concebível amar - desejar a posse total de alguém - sem a angústia que suscita a insegurança em relação à própria posse.

E também a ulterior angústia de que esse objecto, que neste momento cremos possuído, porque declara amar-nos, possa perder-se posteriormente, quer porque deixe de amar-nos, quer, o que é pior, porque, além disso, nos possa ser subtraído por amor a um terceiro.

Toda a relação, desde a mais precoce (com quem nos concebeu) requer segurança, que como já tenho vindo a explicar noutros postes, é a base da nossa personalidade.

Somos mais ou menos seguros, conforme o que experimentamos ao longo dos nossos primeiros anos de vida.

Se tivemos relações de segurança com as nossas figuras de referência então seremos adultos seguros. Se isso não aconteceu, poderão estar criadas as condições para mais tarde sobressair uma estrutura de personalidade insegura, ciumenta e maltratante na relação com o objecto amado nas relações adultas.

No entanto as nossas relações na vida social são quase sempre baseadas em graus de confiança mínima, mas que não apresentam níveis de desconfiança exacerbados.

Podemos assim, mediante essa confiança mínima, realizar coisas e estabelecer relações sem que nos sintamos perseguidos ou ciumentos.

Mas, o sujeito ciumento, apresenta graus de desconfiança que chegam a rondar a paranóia, quando pensa que perdeu a posse do objecto. Não é o pensar que não é amado que causa os ciúmes, mas sim a perda da posse do objecto, isso sim é elouquecedor, podendo em grau extremo, quando o ciumento (aplica-se a ambos os sexos) alucina e passa para estados psicóticos levar à morte do objecto e do sujeito num acto de loucura.

Os crimes passionais têm por base uma estrutura de personalidade paranóide e psicótica onde a desconfiança, a incerteza e a insegurança crescem dia a dia, até à passagem ao acto: a morte do objecto de deixa assim de pertencer ao outro.

Não há ciúmes normais. Os ciúmes são anómalos ainda que sejam frequentes e pouco intensos.

Por mais frequentes que sejam nas relações interpessoais, especialmente os que se revestem em relação amorosa, são sempre reveladores de uma situação não superada pelo sujeito.

Acima de tudo é uma situação crónica que vai subindo a gradação dos ciúmes, insuperáveis e incuráveis na sua maioria, por não serem considerados pela sociedade uma situação de doença.

OS CIÚMES são uma doença.
Não é só considerado doença a partir de um certo grau, aliás quem tem autoridade para falar disso são as vitimas que sabem quando já não suportam mais, mas essas, raramente vão a consultas de psicologia ou psiquiatria para que possam falar disso.

Amor, ciúmes, loucura e morte estão separados por muito pouco, coexistindo na vida de muitos casais de todas as orientações sexuais, tornando-a num inferno onde por vezes não é possível escapar, levando à morte lenta de vidas que ficam suspensas no delírio de alguém.

Se é vitima ou portador de ciumes incontroláveis procure ajuda, ainda pode estar a tempo de mudar a sua vida.


Contacte-nos!

Por Maria de Jesus Candeias

sábado, 23 de agosto de 2014

Algumas sugestões para não transformar o divórcio numa batalha....

1.Da experiência que têm com divorciados (independentemente de serem mulheres, homens, com filhos ou sem filhos) quais são os erros mais comuns? Isto é, quais são os maus hábitos que se criam, muitas vezes sem a pessoa se aperceber?
 R:
Como profissional da área da saúde mental, não a vou concerteza surpreender se lhe disser que um erro comum é a não elaboração do luto do divórcio, experiência que está cotada como um dos acontecimentos mais stressantes na vida de um indivíduo.

Como noutras situações das nossas vidas – a morte de uma pessoa querida, por exemplo – também o divórcio exige um processo de luto frequentemente negado e desvalorizado. Um divórcio implica perdas que têm de ser reconhecidas e elaboradas e que podem ser extremamente dolorosas – por exemplo, o reconhecimento da perda do amor do parceiro.

O divórcio obriga também a mudanças de hábitos e ritmos. Veja-se, por exemplo, que a pessoa pode estar já desabituada de passar um fim-de-semana sozinha. As mudanças do dia-a-dia podem ser bem notadas e ainda assim haver uma negação do sofrimento associado a esta experiência.

Se o indivíduo tiver uma personalidade susceptível para não pensar os lutos, então ele pode fazer uma fuga à dor incorrendo em comportamentos agidos. Vamos pensar na hipótese de colmatar um sentimento de vazio com uma sobrecompensação alimentar ou quando ocorre uma transferência da dependência que o indivíduo tinha do ex-companheiro para uma substância aditiva, como o alcóol. Evidentemente, a capacidade de resiliência a este episódio de vida depende de muitos factores, como seja a capacidade prévia do sujeito para se pensar e o suporte afectivo percebido.

É sabido que se o indivíduo tiver uma personalidade depressigena, face à perda do outro – companheiro e/ou perda da relação com os filhos – então pode estar o cenário montado para se desenvolver uma depressão. Sabemos que a pessoa com grande dor interior tende a isolar-se. Esta será precisamente uma atitude a contariar. A pessoa que sabe reconhecer a necessidade de ajuda é seguramente mais hábil e está mais armadilhada para enfrentar as adversidades.

Mesmo quando um dos elementos do casal obtem alívio pelo divórcio – caso em que a pessoa estava a sentir-se aniquilada pelo companheiro, por exemplo – ainda assim, há um luto a elaborar que é o do projecto. Vou verificando na clínica que muitas pessoas divorciadas têm um sentimento que falharam, que não foram capazes de dar continuidade ao projecto “a dois”. Ora é importante lembrar que as relações estão em permanente construção e que não devem ser resumidas de forma linear a um erro ou falha, pois têm toda uma história e são sujeitas a multiplos factores que se intrinsecam entre eles.

Um erro não tão invulgar dar-se uma confusão entre divórcio e separação. Vejamos como correspondem a estados diferentes. Um casal pode estar a viver numa mesma casa e ainda assim estar separado há muito tempo. É muito frequente constatarmos que um dos elementos do casal já se sentia separado do outro muito tempo antes de surgir o divórcio. Há casais que se mantêm juntos porque exercem uma função parental, mas que deixaram de ser um casal conjugal. Por exemplo, quando o casal já não tem intimidade e deixou de partilhar o espaço em que os pensamentos de ambos se encontram e crescem em conjunto. Tantas e tantas vezes, homem e mulher coabitam o mesmo espaço sem que aconteça um autêntico encontro do Eu de cada um. Nestes casos, as pessoas acabam por se habituarem a uma certa distância, deixando mesmo de se conhecerem.

Mas o contrário também é possível: duas pessoas estarem divorciadas mas não separadas. Há pessoas que se mantêm ligadas mesmo depois de estar concluído o processo de divórcio. Isto pode acontecer por uma dificuldade de estar só depois de vários anos a viver em co-dependência. Isto é nítido nos casos em que uma das pessoas mantém o controlo da vida da outra, mesmo depois do divórcio. Nessas situações, há uma das pessoas que está a resistir ao luto, ou seja, ao trabalho de aceitação da nova realidade. Todos conhecemos casos em que os filhos dos divorciados são usados como armas de ataque aos ex-parceiros, ora habitualmente isso resulta de uma negação da nova realidade e, lá está, da negação da perda de uma vida como ela foi um dia. Isto é muito desgastante para todas as partes. Já começa a estar desperta uma consciência dos casais para as dificuldades do divórcio e por isso aparecem na clínica pedidos de casais para que sejam ajudados a separarem-se, mas isto só pode acontecer se não houver muita raiva, zanga e mágoa de parte a parte.

Quando um processo de luto é demasiado prolongado e intenso, pode acontecer que o indivíduo tenha muita dificuldade em organizar recursos para se restabelecer numa nova dinâmica. É preciso lembrar que os divórcios conduzem à perda de relações também com outras pessoas do sistema familiar e do sistema social. Afinal, perdem-se amigos que mantinham relação com o casal e podem surgir afectos negativos da parte dos familiares do ex-parceiro. As relações que desenvolvemos são redes que nos protegem, para aqueles que estiverem mais desprotegidos neste campo, que viveram uma relação conjugal sem alimentarem os outros sistemas, esta reestruturação será bem mais difícil.

Na verdade, enquanto o próprio não fizer o seu luto estará preso a uma não-realidade. Quando elaboramos um luto estamos a fazer uma separação de algo, a aceitar as perdas, e estamos também a dar uma oportunidade para novos investimentos e para partir à descoberta do próprio Eu. É por isso que um divórcio, como situação de crise, pode ser uma possibilidade de restabelecer o equilíbrio do próprio.

  
2.Que conselhos práticos daria a um recente divorciado para não cair em maus hábitos?

R:
Parece-me que se depreenderá da minha resposta anterior que o primeiro desses conselhos seria: dê-se tempo e espaço para elaborar o seu luto. Aceite os sentimentos de tristeza e dor como necessários ao trabalho de cura. Dito de outra forma, aceite que há feridas que precisam de ser pensadas para que possam sarar melhor. Se a dor for demasiado intensa e insuportável, peça ajuda, caso contrário poderá cair no risco de ter comportamentos agidos, impulsivos e não pensados que o levam a uma maior desorganização. Exemplos desses comportamentos seriam as relações agidas, com fraco envolvimento, que o indivíduo procura para evitar a angústia da separação mas que têm tudo para falharem e que só vão reforçar ainda mais o sentimento de frustração e de desvalorização do próprio.

Uma viva recomendação seria que a pessoa divorciada se deixe cuidar, rodeando-se daqueles que lhe querem bem e que lhe podem relembrar a sua identidade mas também que o ajudem com questões de ordem prática.

Para aquele elemento que sai de casa, por exemplo, há todo um conjunto de tarefas exigentes por resolver. Veja-se a escolha de um novo espaço para morar e o trabalho de montar uma nova casa. Estas questões obrigam a muita disponibilidade, de tempo, económica e também de disponibilidade interior. Porque não reconhecer que os amigos e familiares podem ser uma boa mão de obra? Assim, se for escolher uma casa, escolha uma zona com vizinhos amigos, que possam representar um importante suporte. Se lhe for possível, escolha um espaço para a nova habitação que não obrigue a perda de qualidade de vida, por exemplo, a ter de dispender mais tempo para se deslocar de casa para o trabalho, porque seguramente o tempo vai ser-lhe necessário para realizar novas obrigações que antes partilhava com outra pessoa. Se à pessoa divorciada faltar tempo e ânimo, então a disposição para fazer refeições saudáveis, para ter boas noites de sono ou para investir nas relações com os outros, tudo isto irá ficar em falência.


Para aqueles que experimentam o sentimento de se estarem a deixar deprimir perdendo os prazeres do dia-a-dia e a capacidade de se espantarem com a vida, a esses recomendaria que usassem o período pós-divórcio para um auto-conhecimento recorrendo, por exemplo, à psicoterapia. As psicoterapias permitem o indivíduo entender o seu mundo interior e também os comportamentos do próprio, ao mesmo tempo que são uma oportunidade de iniciar uma relação. Claro que esta relação é diferente de todas as outras, porque é terapêutica, mas é uma relação que se pretende autêntica e que renova a pessoa de esperança e de auto-estima, de forma a recuperar o sentido da vida.
  
3.Por norma, quem tem mais tendência para maus hábitos: mulheres ou homens?

R:
Já tenho debatido esta ideia com outros profissionais que exercem clínica e que partilham comigo a suspeita que as mulheres suportarão melhor o sentimento de estarem consigo próprias. Ser capaz de estar consigo mesmo é não sentir a solidão.

Depois, tradicionalmente, as mulheres estarão mais habituadas a cuidarem de um conjunto de tarefas em simultâneo e parece-me que isso lhes pode dar uma certa vantagem no que respeita ao desafio de resolverem muitas coisas. E também pedem mais ajuda.

É sabido que um maior número de mulheres pede apoio psicológico. Isto poderia ser entendido como tendo os homens mais recursos psicológicos para lidarem com as situações de crise, mas estou em crer que não se pode fazer essa leitura. Parece-me, ao invés, que as mulheres expressam de forma mais espontânea o que sentem e pensam, e que isso lhes dá menos resistência ao trabalho psicoterapêutico.

Partindo da ideia que os maus hábitos estarão relacionados com resistência a pensar aquilo que faz sofrer e também com a dificuldade em pedir ajuda profissional, quase me atrevia a dizer que as mulheres têm menor risco. A pessoa que é capaz de reconhecer os seus piores hábitos e a falta de saúde psíquica e física, recorre mais facilmente também às consultas médicas.

 4. As realidades inesperadas que o divórcio traz não têm necessariamente que ser más... há quem, após um divórcio, comece a cuidar mais do corpo, a fazer exercício físico, por exemplo...  

Sim e há quem recupere saúde: fisica e psíquica! É preciso não esquecer que há relações francamente patológicas em que os cônjuges se atacam e agridem. De facto, há padrões de relação que, ao invés de serem uma forma de crescimento de cada um, são esmagamentos do outro e um violento ataque à individualidade do outro. Na prática clínica, constatamos que um indivíduo que tenha vivido uma relação que o humilhou ou controlou durante anos, pode ficar doente e desenvolver patologias de tipo psicossomático. Nestes casos torna-se bem evidente a recuperação da saúde, logo após o divórcio ou a médio prazo!

Mas é também preciso lembrar que quando o indivíduo se divorcia, tem a sensação de ter que reunir esforços para dar início a uma nova etapa da sua vida. Não raras vezes, as pessoas saem de um divórcio com o sentimento que investiram grande parte das suas vidas num projecto em que havia o acordo de cuidarem uma da outra, mas que a partir de agora têm a obrigação de olharem por si mesmas. Cuidar do corpo e da psique, depois de um divórcio, pode ser um sinal que o luto está terminado e que a pessoa está apta a lançar-se ao futuro. O indivíduo mais saudável e adaptado à realidade, que conseguiu aceitar o fim da relação, seguramente vai querer dispôr-se ao investimento numa nova relação. Cuidar bem da relação do próprio consigo mesmo (com o seu corpo, sexualidade e mente) é necessário para que o indivíduo possa descobrir-se numa relação nova. É preciso que o indivíduo recupere a possibilidade de se espantar com a vida!

Entrevista cedida pela Dra. Alexandra Leonardo à Revista Saber Viver, Junho 2014

domingo, 13 de abril de 2014

A importância das relações amorosas na nossa vida...



1 - Qual o significado e a importância dos relacionamentos na nossa vida? Pode dizer-se que são a chave de tudo ou que tudo gira à sua volta?

O Ser humano é um ser, por natureza, social e relacional. Só existimos em relação. Esta necessidade  e caracteristica acompanha-nos desde o nascimento até à morte. Amar e ser amado é algo fundamental ao ser humano e ao seu desenvolvimento. O que acontece é que à medida que crescemos os nossos objectos de relação vão-se modificando. Assim, em crianças os pais representam tudo para nós, na adolescência os amigos assumem o centro das nossas vidas, e à medida que nos desenvolvemos sexualmente, a nossa atenção e o nosso investimento relacional, passa a ser na procura de uma relação amorosa íntima.

E sim, poderemos dizer, que naturalmente, os relacionamentos são algo fundamental na vida de todos nós.

A nossa herança sócio-cultural transformou as possibilidades de ser-se casal ao longo do tempo, sendo que hoje é quase inconcebível sê-lo sem um determinado grau  de vínculo amoroso, atracção sexual e apoio mútuo.


2 - Existem padrões nos nossos relacionamentos? É verdade que tendemos a repetir o tipo de relacionamentos que temos, em que mudam as caras mas o padrão é o mesmo? Porquê?

Sim, todos nós temos padrões de relacionamento, e esses padrões têm a ver com as nossas experiências relacionais que tivemos ao longo da vida, não só amorosas, mas também com a forma como vimos os nossos pais relacionarem-se, com a forma como nos relacionámos com os nossos pais, com os nossos amigos, irmãos, entre outros.

Crescer e viver em relações e ambientes hostis, adversos ou harmoniosos e prazerosos, são escolas relacionais completamente distintas, e fazem de nós seres relacionais muito distintos.
Assim, à medida que crescemos, vão mudando os protagonistas das nossas relações mas o nosso modo de nos relacionarmos, vai sendo sempre de alguma forma condicionado por aquilo que vimos ou vivemos. Porém, não nos podemos esquecer que a nossa relação também depende da forma como outro nos trata, e em função disso podemos dar o melhor ou o menos bom de nós.

3 - Quais os ingredientes ou regras fundamentais para o sucesso de um relacionamento? O que dita o sucesso dos diferentes tipos de relacionamentos que construímos ao longo da vida (profissional, familiar, amoroso, de amizade,…)?

Diria que o Amor, a confiança e o respeito, são os pilares básicos que sustentam uma relação amorosa.
Numa relação íntima saudável, o compromisso baseia-se num mútuo interesse pelo outro, em que se enaltece o verdadeiro “eu” , não se anula de modo nenhum, a individualidade. Ter diferenças de opinião, de perspectivas é óptimo. É isso que enriquece a relação. A comunicação, falar abertamente sobre essas diferenças ajuda a conquistar o respeito do outro
Porém, conseguir alcançar isto, não é de todo simples.  O sucesso relacional exige segurança, auto-confiança e uma grande maturidade emocional individual, quer na vida amorosa, quer na vida profissional. Só podemos amar alguém, se nos amarmos e respeitarmos, em primeiro lugar a nós próprios. Quando isto não acontece, facilmente nos anulamos e perdemos na relação com o outro, e estamos a meio caminho de estabelecer relações pouco saudáveis.

4 - Porque é que os relacionamentos fracassam ou não dão certo? Quais são as principais dificuldades ou erros que existem nos relacionamentos?

O amor e a intimidade desafiam os nossos maiores medos em relação ao que somos e ao que devemos ser, bem como ao que os outros são. Amando e desenvolvendo intimidade corremos riscos.  Em algumas relações, a liberdade para descobrir e deixar-se descobrir pelo outro fica condicionada pela vontade, pelo medo, pelas inseguranças, pela habilidade ou mesmo permissão do parceiro para tal. Como já referido, existem muitas vezes obediência a regras “não escritas” oriundas da família de origem, que pautam o ritmo e a profundidade dos relacionamentos de proximidade.  Regras como devem ser resolvidos os problemas, como se expressam as emoções, que expectativas se devem ter dos outros, acabam por estar presentes sendo que são muitas vezes desajustadas a esta nova relação.
Assim, poderíamos dizer, que as inseguranças individuais, as dificuldades de comunicação, a  procura dum parceiro (a) igual a si , ou que preencha todos os quesitos idealizados, é algo irreal, provocando desilusão,  desencanto,  e sem comunicação o silêncio acaba por corroer a relação.

5 - Como podemos fortalecer as nossas relações e torná-las mais saudáveis e duradouras?

Sendo verdadeiros e plenos na relação. Sem medo de sermos aquilo que somos, nem medo de sermos rejeitados. Falando abertamente sobre o que pensamos e o que nos preocupa. A honestidade, a espontaneidade, a vulnerabilidade, a confiança e a aceitação são ingredientes essenciais para o sucesso da relação. Podem suscitar por vezes mágoas e vulnerabilidades, mas esse é o caminho para a maturidade e para a intimidade conjugal,pois permitem a reciprocidade, a alegria e a ternura.

6 - Todas as pessoas possuem a capacidade de iniciar, construir e manter relacionamentos longos e saudáveis ou só algumas é que o conseguem fazer?

Manter uma relação diria que é mesmo uma arte, e uns têm mais competências relacionais do que outros. De referir porém, que não há relações perfeitas e que mesmo as relações saudáveis têm os seus momentos de crise.

7 - O que devem fazer aqueles que não têm grandes capacidades de relacionamento? A que princípios ou estratégias é que podem recorrer para se tornarem mais hábeis no trato com as outras pessoas?

As competências relacionais é algo que podemos desenvolver, em qualquer fase da nossa vida, com ajuda especializada. A Psicologia, e a Terapia de casal, são uma ferramenta muito útil, no desenvolvimento destas competências.

8 – Qual a melhor forma de lidar com o fim de um relacionamento?

A melhor forma, é enfrentar o fim com realismo e dignidade, e aceitá-lo. Uma relação só é possível quando ambos querem e a desejam. Não se consegue construir nem reparar uma relação quando só um quer permanecer nela.

É importante pensarmos que quando uma relação termina, o que está em causa, não é o valor individual de cada uma das partes, não é uma guerra em que há vencedores e vencidos. É simplesmente um desencontro. È importante não dramatizar, não arrastar   a dor. È importante ter coragem para por um ponto final e não se deixar arrastar no sofrimento. Uma relação só faz sentido quando nos dá mais coisas positivas do que negativas. Quando a balança entra em défice é preciso falar sobre o que esta a acontecer, e avaliar se vale a pena continuar ou não. 

Nestes casos a Terapia de Casal é extremamente útil e eficaz e ajuda o casal a analisar com alguma serenidade o que está a acontecer e a ponderar os vários cenários possíveis.

Entrevista cedida por Maria de Jesus Candeias ao  portal de saúde  MSN Saúde & Bem-Estar, Setembro de 2012.

domingo, 19 de janeiro de 2014

O nascimento de um filho: alterações na vida conjugal




Quando um casal tem um filho, seja essa criança planeada ou surja de forma ocasional, uma nova família será constituída a partir desse nascimento, ou melhor, podemos dizer que desde a confirmação da gravidez surgem alterações na relação do casal. Mãe e pai deixam de ser apenas parceiros e filhos para passarem a ser pais. A mudança de papéis e funções alteram-se em consequência do nascimento deste primeiro filho.

Esta nova família nuclear que se forma é produto de um casal que vem de famílias diferentes e que transporta consigo a genética, os valores e histórias das suas famílias de origem. Tudo isso é uma enorme influência na configuração da nova família. Cada membro do casal traz para a educação dessa criança tudo aquilo que recolheu da sua própria vivência familiar.

A primeira alteração que surge na dinâmica do casal está relacionada com o estado físico da mulher que a partir de alguns meses de gravidez pode condicionar (dependendo do estado de saúde da mulher), em situações anormais o relacionamento sexual do par. A frequência pode diminuir ou podem mesmo deixar de existir durante alguns meses. Se a relação afectiva entre os dois não for sólida e madura, poderá ser um abanão na relação do casal. Por vezes surgem as infidelidades e a poderá até existir uma ruptura dessa relação. Um dos sinais de que essa relação poderá ser sentida como insegura por parte da mulher tem a ver com o aparecimento dos tão falados enjoos, que não são mais que manifestações somáticas da insegurança afectiva ou muitas vezes da rejeição inconsciente da gravidez por parte da futura mãe. Por vezes desaparecem, quando a vinda da criança é aceite ao nível inconsciente e a mãe se sente mais segura na relação com o marido, ou seja, não vai ser abandonada.

O nascimento do primeiro filho é uma fase de profunda transformação na vida do casal, criando novos papéis, principalmente o de mãe e de pai, o que, de alguma maneira irá ter repercussões na relação conjugal. Além disso, esta etapa do ciclo de vida familiar irá afectar toda a família ampliada, alterando papéis e exigindo uma reorganização de todo o sistema familiar.

Com o nascimento da criança a tensão aumenta no seio da família e entre o casal, é uma tensão dita normativa, e pode ser vivida com maior ou menor ansiedade, variando esse aspecto conforme foi vivido pelas gerações anteriores, ou seja, se o nascimento das crianças foi vivido com calma e serenidade na família dos progenitores decerto esse sentimento e essa vivência será perpetuada, se pelo contrário foi vivido com ansiedade então é provável que volte a acontecer, dificultando a adaptação da criança e dos pais a uma nova situação.

Muitos casais com problemas ao nível do relacionamento idealizam o nascimento da criança como um momento mágico acreditando muitas vezes que ele irá resolver problemas conjugais e familiares. No entanto, embora isso possa acontecer, muitas vezes sucede o contrário, os conflitos e os problemas agudizam-se, pois agora existe mais um membro que durante quase todo o tempo exige a atenção da mãe e do pai, deixando durante muito tempo pouco espaço para o casal. As mudanças na vida conjugal são tão abruptas que muitos casais não resistem a elas. Outros acreditam que com o nascimento vão ficar mais unidos e acabam por se afastar devido a discórdias e discussões que podem levar mesmo à separação.

Alguns casais unem-se, de facto, assumindo o papel quase de missionários, pois muitas vezes esta criança vem cumprir uma função na família.

Estes são alguns aspectos da alteração da dinâmica familiar, no entanto existem outros, específicos de cada família, que não estão aqui mencionados.


A ansiedade desta fase é inevitável, mas nem sempre é geradora de conflitos, no entanto é importante o casal tomar consciência das alterações que a sua vida irá sofrer. Pedir aconselhamento de casal parental e conjugal (quando existam duvidas e ansiedades) poderá ajudar os membros do casal a desmistificar e a elaborar medos e ansiedades decorrentes dessa nova mudança de papéis.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Alimentar o Amor



Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Chega-se sempre à primeira frase, ao primeiro número da revista, ao primeiro mês de amor. Cada começo é uma mudança e o coração humano vicia-se em mudar. Vicia-se na novidade do arranque, do início, da inauguração, da primeira linha na página branca, da luz e do barulho das portas a abrir.
Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda. Por isso respeito cada vez menos estas actividades. Aprendi que o mais natural é criar e o mais difícil de tudo é continuar. A actividade que eu mais amo e respeito é a actividade de manter.
Em Portugal quase tudo se resume a começos e a encerramentos. Arranca-se com qualquer coisa, de qualquer maneira, com todo o aparato. À mínima comichão aparece uma «iniciativa», que depois não tem prosseguimento ou perseverança e cai no esquecimento. Nem damos pela morte.
É por isso que eu hoje respeito mais os continuadores que os criadores. Criadores não nos faltam. Chefes não nos faltam. Faltam-nos continuadores. Faltam-nos tenentes. Heróis não nos faltam. Valtam-nos guardiões.

É como no amor. A manutenção do amor exige um cuidado maior. Qualquer palerma se apaixona, mas é preciso paciência para fazer perdurar uma paixão. O esforço de fazer continuar no tempo coisas que se julgam boas — sejam amores ou tradições, monumentos ou amizades — é o que distingue os seres humanos. O nascimento e a morte não têm valor — são os fados da animalidade. Procriar é bestial. O que é lindo é educar.
Estou um pouco farto de revolucionários. Sei do que falo porque eu próprio sou revolucionário. Como toda a gente. Mudo quando posso e, apesar dos meus princípios, não suporto a autoridade.

É tão fácil ser rebelde. Pica tão bem ser irreverente. Criar é tão giro. As pessoas adoram um gozão, um malcriado, um aventureiro. É o que eu sou. Estas crónicas provam-no. Mas queria que mostrassem também que não é isso que eu prezo e que não é só isso que eu sou.
Se eu fosse forte, seria um verdadeiro conservador. Mudar é um instinto animal. Conservar, porque vai contra a natureza, é que é humano. Gosto mais de quem desenterra do que de quem planta. Gosto mais do arqueólogo do que do arquitecto. Gosto de académicos, de coleccionadores, de bibliotecários, de antologistas, de jardineiros.

Percebo hoje a razão por que Auden disse que qualquer casamento duradoiro é mais apaixonante do que a mais acesa das paixões. Guardar é um trabalho custoso. As coisas têm uma tendência horrível para morrer. Salvá-las desse destino é a coisa mais bonita que se pode fazer. Haverá verbo mais bonito do que «salvaguardar»? É fácil uma pessoa bater com a porta, zangar-se e ir embora. O que é difícil é ficar. Isto ensinou-me o amor da minha vida, rapariga de esquerda, a mim, rapaz conservador. É por esta e por outras que eu lhe dedico este livro, que escrevi à sombra dela.
Preservar é defender a alma do ataque da matéria e da animalidade. Deixadas sozinhas, as coisas amarelecem, apodrecem e morrem. Não há nada mais fácil do que esquecer o que já não existe. Começar do zero, ao contrário do que sempre pretenderam todos os revolucionários do mundo, é gratuito. Faz com que não seja preciso estudar, aprender, respeitar, absorver, continuar. Criar é fácil. As obras de arte criam-se como as galinhas. O difícil é continuar.

Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Crise Conjugal: Fim ou Recomeço da Relação?



A discussão termina todos os dias em gritos e insultos. Um quer sair à noite e o outro não; um chega tarde e o outro zanga-se; há um que gasta demais e outro de menos; ambos querem ir de férias e cada qual escolhe um destino. Tudo serve para subir o tom, para um deles sair do quarto, levar a almofada e dormir no sofá.








As zangas, os medos, os ressentimentos, o silêncio Entram no meu consultório e ficam várias semanas a ser dissecados até indicarem uma de duas portas :: - o fim ou o recomeço.

O trabalho vai-se desenvolvendo em torno de reflexões para que os casais consigam perceber quais as razões que desgastam a relação. Os indícios são visíveis a olho nu e muitas vezes estavam lá desde o princípio. Só que a maioria prefere fechar os olhos e mergulhar de cabeça numa paixão. Até ao momento em deixa de ser possível ignorar os problemas que minam um relacionamento: Expectativas defraudadas ou dificuldade em aceitar o outro são algumas das grandes dificuldades identificadas entre os casais.

E deixar de falar é o maior dos erros. Fingir que está tudo bem. Esperar que os problemas desapareçam sem fazer nada para isso é o mesmo que acreditar em milagres. A estratégia tem quase sempre um único resultado: "O casal afasta-se cada vez mais até ao dia em que olham um para o outro e descobrem que já não se reconhecem." 

Ficam sozinhos, sem vontade de conversar e sentem-se perdidos: "É o momento de se sentarem frente-a-frente e forçar o diálogo." Se a estratégia falhar é sempre possível recorrer à terapia de casal.

Embora a procura da terapia de casal tenha vindo a crescer, ainda há muita resistência em pedir ajuda profissional, não só por falta de divulgação, mas também porque os casais receiam uma invasão da sua  intimidade.

É importante salientar que nem sempre , entrar num consultório e pedir ajuda de um terapeuta, serão suficientes para salvar o casamento. Haverá sempre histórias que terminam em divórcio.

A separação é uma decisão solitária que nunca surge de ânimo leve. É preciso perceber quando vale a pena insistir e quando chegou o momento de desistir.

Muitas vezes não há como restaurar o amor, a confiança e o respeito" – que são a meu ver, os três pilares obrigatórios para manter uma vida em conjunto. No dia em que isso deixar de acontecer, significa que um ou ambos anularam a identidade e deixaram de existir.

O divórcio, é uma "guerra de silêncios". É não fazer as refeições em conjunto, dormir em quartos separados, evitar a intimidade ou não ter vontade de regressar a casa.

É preciso saber terminar uma relação com dignidade, o que acontece poucas vezes." Boa parte dos casais deixa a relação arrastar-se e espera por motivos fortes para tomar uma decisão. Usam a infidelidade, a agressão verbal ou física para justificarem o divórcio, quando os motivos começaram muito antes.

Mesmo que o divórcio seja o caminho, é preciso continuar a falar: "Perceber o que aconteceu, assumir responsabilidades sem atribuir culpas é um processo obrigatório para qualquer casal que opta pela separação". Decifrar todos os passos que conduziram ao fim do casamento é a única saída para não cometer os mesmos erros em futuras relações. "Caso contrário, corre-se o risco de saltar de pessoa em pessoa sem qualquer perspectiva."

O fim é o início de um outro capítulo em que é preciso aprender que o "amor não basta por si só para suportar um casamento." Exige esforço diário, mesmo quando há filhos para cuidar, empregos para assegurar ou resto do quotidiano a consumir tempo e energia. "Pode parecer tarefa quase impossível, mas todos nós nos lembramos da ginástica que fazíamos no começo de uma relação para conseguirmos ficar juntos, nem que fosse por pouco tempo.

Estabelecer prioridades é o principal trunfo para vencer a rotina. E saber que o amor não é eterno é o passaporte para uma relação duradoura.
A última atitude que devemos ter é encarar o outro como uma casa ou um carro que irá continuar a existir enquanto essa for a nossa vontade.

Sempre que a rotina se transformar numa máquina sem travões será necessário inventar pelo menos dez minutos por dia para o casal se encontrar a sós. Namorar, brincar ou conversar são hábitos diários a manter a todo o custo. Um dia por mês deverá ser dedicado a uma curta viagem para partilharem "necessidades e preocupações.
São gestos que funcionam como pilhas de longa duração para um casamento, desde que ninguém se esqueça que qualquer relação fracassa quando "ambos ou apenas um" abdica do seu próprio espaço e afasta o ciclo de amizades, mesmo quando o amor é absorvente e tem dificuldade em dividir o tempo com os outros:

 O casamento não é como subir uma montanha e ficar sentado no topo. São várias montanhas que têm de ser escaladas todos os dias.