O filme “Terapia a
dois” neste momento em exibição, retrata de uma forma aligeirada o desgaste que
se vai instalando numa relação de 30 anos, demonstrando como o aparecimento da
rotina, o aumento da insatisfação, associado à falta de comunicação, pode
deitar por terra um projecto de vida. E quando tudo isto acontece numa relação
com menos anos de existência? Quando a angústia e a incerteza se instalam, o
que fazer para não tomar decisões precipitadas?
Uma das dificuldades
mais frequentes no relacionamento conjugal passa pela insatisfação que se vai
instalando, muitas vezes, de uma forma silenciosa, gerando afastamento entre o
casal.
O decorrer da relação pode trazer alguma desilusão, quando as expectativas
que se construíram acerca da mesma acabam por ser defraudadas e quando existe
uma certa idealização do outro. Nem sempre o outro corresponde integralmente à
imagem que se traçou dele inicialmente, existe uma certa tendência para se
anular as diferenças e acentuar as qualidades que encantam ou seduzem a pessoa.
No entanto, todas estas decepções podem ser ultrapassadas, sem ganharem um
carácter destrutivo se o casal estiver disponível para investir na relação, de
modo a que a satisfação conjugal seja uma meta partilhada pelos dois elementos,
pois considera-se que o amor deve ser continuamente alimentado e rejuvenescido.
Nessa perspectiva, é
fundamental expressar as suas necessidades e desejos, bem como o que espera do(a)
companheiro(a), no âmbito da relação. Muitas vezes, é aqui que reside o
problema. A comunicação assume um papel fundamental na resolução de conflitos,
permitindo que discórdias possam ser clarificadas. No entanto, habitualmente, o
casal opta por não comunicar, para não se expor ou para não comprometer a
relação, gerando, por outro lado, dificuldades de entendimento. Nesta medida,
vai-se instalando, progressiva e silenciosamente, um mutismo fruto de um rol de
“ocorrências” em que tudo se transforma: os pequenos deslizes passam a ser
interpretados como defeitos irreparáveis, o dia-a-dia tão desejado, torna-se
numa rotina insuportável e enfadonha. A partilha de uma vida em comum passa a
ser evitada. O diálogo sobre pensamentos, sentimentos e expectativas acaba por
se restringir ao essencial.
Neste contexto, é necessário ter em conta ainda que
quando a comunicação de um casal se centra na crítica, no ataque constante ao
outro e no desprezo, pode gerar o desinvestimento e desencanto da parte do
outro, o que irá prejudicar a resolução dos problemas.
No relacionamento
conjugal também é importante ter em conta a forma como se gere a
individualidade de cada um, para além do projecto a dois. Este deve permitir o
crescimento e o desenvolvimento de cada elemento, proporcionando bem-estar.
Desta forma, o casal não tem que viver exclusivamente um para o outro, não
devendo negligenciar os seus projectos individuais.
Para tal, é necessário que
o(a) parceiro(a) aceite este aspecto, não devendo considerar estar perante uma
falha ou demonstração de desinteresse ou de falta de afecto da parte do outro,
mas sim respeitar o seu espaço e necessidades pessoais. Torna-se fundamental
respeitar as idiossincrasias, tendo em conta que homens e mulheres percepcionam
as relações de forma diferente, valorizando divergentes aspectos na relação, o
que não tem que representar necessariamente um problema. Para além disso, não
se pode descurar o facto de o casal ser descendente de famílias com valores e
modelos díspares. Cada um leva uma herança do que é, e de como deve ser vivida
a relação a dois, sendo por isso necessário existir uma reorganização para que
possam construir o seu próprio modelo, incorporando valores dos dois lados.
Vários elementos tem
sido considerados pelos casais, de modo a manter a satisfação conjugal,
nomeadamente a confiança, o compromisso, apreciação, respeito, amor, a
sensibilidade aos sentimentos do outro, a comunicação aberta e honesta, a
capacidade de resolução dos problemas, a partilha no processo de tomada
decisão, a qualidade da relação sexual, a partilha da educação dos filhos, o
demonstrar interesse pela opinião do outro, entre outros.
Nem sempre o casal
consegue atingir a harmonia e o equilíbrio conjugal sozinho, mantendo a
satisfação nestas várias vertentes, sendo necessário recorrer à Terapia de
Casal. Esta vai proporcionar um espaço de partilha, favorecendo a expressão de
emoções, bem como facilitando uma outra forma de estar e de comunicar,
diferente daquela que o casal utiliza habitualmente. Procura-se analisar os
factores que estão a desgastar e a degradar a relação, fomentando uma maior
consciência acerca do funcionamento do casal, que pode estar a bloquear a
manutenção da satisfação e do reajustamento às necessidades que vão surgindo ao
longo do tempo. É necessário aceitar que o objectivo não é mudar o(a)
companheiro(a), mas sim alterarem alguns aspectos da relação, através da
negociação do que cada uma das partes pode facultar, para que se possam sentir
mais satisfeitos na relação.
Assim, a Terapia de Casal pode ser indicada para
situações em que ocorre o desinvestimento de um dos elementos, quando existiu
uma relação extra-conjugal, quando aparece a insatisfação, no caso de dificuldades
ao nível da comunicação, da relação sexual, quando o conflito conjugal se
centra na relação tensa com a família de origem, quando ocorrem dificuldades na
gestão e tomada de decisão dos aspectos educativos dos filhos ou, simplesmente,
quando querem melhorar a qualidade do relacionamento. E no fim de tudo, mais do
que um final feliz, o que realmente faz a diferença é ser honesto consigo mesmo
e com o outro, tomando consciência do processo evolutivo quer individual, quer
conjugal.
Por Sónia Ferrreira, Psicóloga Clínica e Terapeuta de Casal.
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